Subscribe Us

header ads

A importância do ensino das artes na escola


No dia 3 de maio, o teatro, as artes visuais e a dança foram incorporados ao currículo do ensino básico brasileiro. Até então, apenas a música era componente “obrigatório, mas não exclusivo” do ensino de arte na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Escolas públicas e privadas têm cinco anos para se adequar aos novos padrões.

“A arte não é babado cultural, não é enfeite para botar em parede”, disse a professora Ana Mae Barbosa, uma das principais referências no estudo de arte-educação no Brasil. Em entrevista a ÉPOCA, a especialista comemorou a aprovação da lei e falou sobre a contribuição que o ensino de arte traz à aprendizagem. Entre eles, o desenvolvimento da capacidade de interpretação: “Ao interpretar, você amplia a sua inteligência e a sua capacidade perceptiva, que vai aplicar em qualquer área da vida”.


Apesar de enxergar a mudança com otimismo, Ana Mae faz uma ressalva: "A batalha ainda não está ganha. A gente continua a discutir as Bases Nacionais Curriculares Comuns, que querem fazer das artes meros subcomponentes do currículo". A professora, que criou um abaixo-assinado contra o texto provisório da Base, disse que, como está, o documento abre espaço para uma abordagem superficial das artes e para a não contratação de professores especialistas.

ÉPOCA - Qual a importância do ensino de música, artes visuais, dança e teatro na educação básica?

Ana Mae Barbosa - É absolutamente importante o contato com a arte por crianças e adolescentes. Primeiro, porque no processo de conhecimento da arte são envolvidos, além da inteligência e do raciocínio, o afetivo e o emocional, que estão sempre fora do currículo escolar. A minha geração fez sua educação emocional a partir de filmes de Hollywood, o que é uma barbaridade. Não se conversava sobre sentimentos na escola. Segundo, porque a arte estimula o desenvolvimento da inteligência racional, medida pelo teste de QI. O pesquisador Janes Catteral estudou a influência da aprendizagem de arte na inteligência, que será aplicada a qualquer outra disciplina. Além disso, grande parte da produção artística é feita no coletivo. Isso desenvolve o trabalho em grupo e a criatividade.

ÉPOCA - A música já era obrigatória no currículo. Qual será a contribuição de cada uma das artes que agora também fazem parte dele?

Ana Mae - As artes são linguagens que complementam a linguagem verbal. Susanne Langer, especialista em filosofia da arte, diz que existem três diferentes linguagens: a verbal, a científica e a presentacional. A linguagem presentacional é aquela que você não consegue traduzir em outras linguagens. Ela está presente na arte, que articula a vida emocional do ser humano. Um indivíduo com essas três linguagens bem desenvolvidas está apto a conhecer plenamente as outras áreas do conhecimento, a aproveitar mais o mundo que o cerca. Tirar o aluno da cadeira significa expandir seus sentidos.

As artes visuais desenvolvem a capacidade de percepção visual, importante desde a alfabetização até a solução de grandes conflitos da adolescência. Para dar um exemplo: as palavras “bola” e “bota” têm a mesma configuração, o que, durante a leitura, pode dificultar a diferenciação entre elas. O ensino da arte contribui para exercitar essa percepção. A dança amplia a percepção do corpo. Desenvolve, assim como a música, o ritmo e o movimento. Exercita o equilíbrio, não só físico, mas mental. O teatro desenvolve a comunicação. Coloca em pauta o verbal, o sonoro, o visual e o gestual. Talvez seja a mais completa das artes incluídas na escola.

ÉPOCA - E culturalmente, como as artes podem contribuir para o desenvolvimento dos estudantes?

Ana Mae - Existe a arte como expressão e a arte como cultura. A arte como expressão, como já disse, é a capacidade de os indivíduos interpretarem suas ideias através das diferentes linguagens e formas. A arte como cultura trabalha o conhecimento da história, dos artistas que contribuem para a transformação da arte. É muito importante que o aluno tenha um leque de conhecimento acerca do seu próprio país e do mundo. Não se conhece um país sem conhecer a sua história e a sua arte.
Além disso, as artes alargam a possibilidade de interculturalidade, ou seja, de trabalhar diferentes códigos culturais. A escola deve trabalhar com diversos códigos, não só com o europeu e o norte-americano branco, mas com o indígena, o africano e o asiático. Ao tomar contato com essas diferenças, o aluno flexibiliza suas percepções visuais e quebra preconceitos.

ÉPOCA - Por que na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 só a música estava contemplada como obrigatória?

Ana Mae - Foi luta do pessoal da música, que fez vigília física no Senado e na Câmara. A cultura pedagógica do Brasil também contribui para essa distinção. No período modernista, houve grande influência do canto coral nas escolas. A prática era muito bem aceita porque exigia disciplina dos estudantes. Além disso, como já existia essa tradição musical na escola, foi mais fácil que os legisladores – cuja maioria não conhece nada de educação – aceitassem incluir o ensino no currículo.

ÉPOCA - Por que ainda é difícil reconhecer as artes, em geral, como disciplinas necessárias na escola?

Ana Mae - Acredito que seja um preconceito que nasce nas bases jesuítas da nossa educação. As artes visuais, apesar de presentes desde os anos iniciais da história do Brasil – a primeira grande escola superior do país foi a Academia Imperial de Belas Artes, fundada em 1826 –, assustavam os jesuítas por serem muito sensoriais, e o sensorial leva à sexualidade. O mesmo aconteceu com a dança, que sempre foi deixada de lado, inclusive pelas universidades. O corpo era visto como algo pecaminoso.

ÉPOCA - Deveria existir espaços na grade horária das escolas para cada uma dessas disciplinas ou basta uma aula de arte que abarque todas as habilidades?

Ana Mae - Já que o currículo da Base Nacional Comum será baseado em disciplinas, a ideia é que a área de artes inclua quatro disciplinas: artes visuais, música, teatro e dança. A aula de artes que abarca todas as habilidades seria perigosíssima e cara, porque demandaria quatro professores trabalhando juntos em sala. Sou a favor da interdisciplinaridade, de um projeto de ensino feito por professores das quatro áreas, mas sem que eles precisem ministrar uma mesma aula. Não é um projeto caro, é um projeto que exige planejamento.

ÉPOCA - É possível encaixar mais quatro disciplinas na grade horária das escolas?

Ana Mae - Pensando que o grande objetivo da educação no Brasil hoje é a escola de tempo integral, sim.  Não posso imaginar uma escola de tempo integral que vá manter os alunos sentados em carteiras por seis, oito horas. E não posso imaginar uma escola de tempo integral sem um número de horas bastante razoável para cada uma dessas disciplinas. Estou partindo do ideal. Está se chegando ao convencimento de que a educação não se faz em quatro horas.

ÉPOCA - Como preparar professores para uma abordagem satisfatória do ensino de artes?

Ana Mae - Vou dar um exemplo da área de artes visuais. Há três processos fundamentais para a formação do professor de arte. Primeiro, o fazer. Fazer arte para seu próprio crescimento perceptivo e inventivo. Segundo, a leitura da imagem. Tanto da imagem considerada arte pelos críticos, como das imagens que nos cercam – da embalagem de suco de laranja às revistas. Esse exercício prepara o indivíduo para decodificar imagens, encontrar o sentido escondido por trás delas. Terceiro, contextualizar. Em que contexto essas imagens estão inseridas? Esse processo é a porta aberta para a interdisciplinaridade, o diálogo com outras disciplinas. A história, por exemplo. É o momento de descobrir como aquilo que você está vendo se realiza em diferentes culturas.

ÉPOCA - As escolas, já cheias de falhas, têm cinco anos para se adaptar e incorporar esses ensinos ao currículo. Quais são os desafios desse processo?

Ana Mae - Enxergo o desafio com muito otimismo. Essa lei já foi um grande passo. Se, no Brasil, já é difícil manter o obrigatório, imagine o não obrigatório. A legislação para a escola pública inspira a universidade a criar os cursos. Isso vai refletir no mercado. Aqueles que reprimiam seu desejo de estudar arte agora terão mais garantia de emprego. Não é uma profissão muito rentável, mas é muito flexível, cheia de aplicações.

ÉPOCA - Se professores não forem devidamente preparados, quais os perigos de uma abordagem equivocada do ensino de artes?

Ana Mae - Uma área mal conduzida cria rejeição nos alunos. Esse é o perigo: afastar a arte do campo de referência deles. Tenho essa preocupação, mas confio muito no professor de arte. É uma profissão que não dá prestígio e dá pouco dinheiro. Quando você se propõe a fazer, é porque está mordido por aquilo. Fala-se muito mal do ensino de arte na escola pública, mas já tive experiências incríveis, mais recorrentes do que as negativas.  Os professores que têm mais disponibilidade para promover a transformação são os de arte. Mas a motivação, é claro, não aguenta falta de estímulo. Se a coisa esmorece completamente, ela também pode acabar.

Da Época - Globo

Parceiros da Informação


Postar um comentário

0 Comentários